Primavera
O tempo passara e ele sequer deu-se conta. Um turbilhão de sensações arrebatadoras o invadiam naquele momento. Lembranças recentes misturavam-se às antigas e formavam uma nova realidade, de cronologia abstrata e duvidosa.
Estava sentado numa cadeira de balanço tão desgastada quanto ele. O ruído característico do movimento incomodava a todos, mas ele não se importava. O ir e vir era estranhamente natural, quase uma extensão de seu corpo. E embalava suas recordações.
O primeiro amor veio à tona. Riu de si quando recordou a certeza que tinha de que seria eterno. Lembrou-se de como tudo terminou e, depois, de como esquecê-la foi mais fácil do que pensou que seria.
Verão
Revivia em sua mente as emoções. Era como se estivesse lendo um livro de sua própria história, folheando páginas que, de tão bem descritas, o faziam imaginar perfeitamente as cenas.
O enredo fantasioso o conduzia, agora, à época da adolescência. Amargurou-se ao pensar o quanto o período da guerra prejudicara seu relacionamento social já que, dentre tantas preocupações prioritárias não constava, obviamente, a de fazer um adolescente se dar bem com os colegas da nova escola.
Estaria sendo egoísta ao pensar unicamente em si, com tantas questões mais relevantes a ser consideradas numa guerra? Foda-se. Era o que sentia e ponto. Cansara-se das concessões sociais que tivera de fazer no decorrer dos anos. Sentiu-se no direito de, ao menos em pensamento, ser politicamente incorreto.
Outono
Seguiu-se uma onda de recordações aflitivas. O desaparecimento da irmã e a morte do pai trouxeram consigo uma sensação melancólica, que lhe oprimia o peito intensamente. De súbito, retornou àquele período, vivenciando novamente o sentimento doloroso.
De modo mais pragmático, refletiu acerca do erro que fora seu primeiro casamento e da felicidade quase que mecanicista com que vivera o segundo.
Queria entender por que, dentre tantos momentos agradáveis, eram justamente os negativos que viam à tona. Começou, intuitivamente, a elencar os sofrimentos, classificando-os por níveis de intensidade e durabilidade.
Discussões, mortes, mágoas, rupturas. Em sua vida, essas palavras sempre estiveram presentes. Em alguns momentos, chegavam todas de uma vez. Em outros, vinham separadas, após um longo período de latência que o levava a crer, erroneamente, que enfim estava sendo feliz.
Inverno
Antes não era assim. A apatia que em alguns momentos o atingia era rapidamente aplacada, diante da certeza de que o futuro lhe seria promissor. Assim, toda vez que sentia certo descontentamento com a realidade, confortava-se ao pensar que as coisas mudariam.
Afinal, tinha tempo.
Mas o tempo passou. De forma arrebatadora. Implacável. As frustrações pessoais e profissionais o transformaram num homem amargurado. A alegria juvenil e o frescor que lhe transparecia em tudo que realizava, deram lugar à austeridade.
A marca de expressão facial contava sua história: ao invés de fissuras nos cantos dos lábios (sinal de que sorrisos se fizeram presentes), tinha a testa marcada por três sulcos violentos, advindos das preocupações corriqueiras que tornavam seu semblante sério e pouco amistoso. O vinco entre as sobrancelhas – fundo, marcado – completava o quadro.
Então naquele dia, entre idas e vindas do balanço, deu-se conta de que as coisas não saíram, afinal de contas, da forma como planejara.
Os acontecimentos atropelaram-se um ao outro e ele não tivera tempo de consertar o rumo. Famílias, amigos, dinheiro. Nada parecia fazer sentido. De repente, até as amantes que tivera lhe pareceram sem propósito.
Começou a lhe bater uma sensação de pânico, nociva e proibitiva, que o oprimia e o fazia se sentir pequeno, fracassado. Subitamente, ao refletir sobre a vida, dera-se conta de que havia sido completa e absolutamente infeliz.
Deixou-se ficar ali. Absorto em pensamentos, a impassibilidade de seu corpo contrastava com o movimento da cadeira, que balançava de forma ritmada ora para frente, ora pra trás. Fazia frio.